Da Redação
22 de outubro de 2014É o nome do livro de Jacques Rancière, publicado este ano pela Boitempo. O autor é um dos filósofos mais importantes da atualidade e nasceu em Argel em 1940, discípulo do marxista Louis Althusser. Seu ponto de partida é a balbúrdia contemporânea, em que as manifestações viram espetáculos deprimentes, ninguém mais acredita em político, a escola não consegue atrair e segurar o estudante e os pais não obtêm disciplina em casa. Tudo isso tem uma causa: “Ela se chama democracia, isto é, o reino dos desejos ilimitados dos indivíduos da sociedade de massa moderna”.
O que acaba com o ideal da democracia é exatamente o excesso de democracia pragmática. Um regime que propõe exaurir a fruição de direitos, sem qualquer contraprestação. O paroxismo no discurso dos direitos do homem converteu-os nos direitos dos indivíduos egoístas almejando ingressar e permanecer na sociedade burguesa.
Pode-se substituir a expressão “indivíduos egoístas” por “consumidores ávidos”. A exigência febril de igualdade arruína a busca do bem comum, finalidade do Estado. Rancière cita uma conterrânea sua, Dominique Schnapper, que escreveu “A Democracia Providencial”, para descrever a situação presente. Todos querendo tudo, ninguém trabalhando para conseguir nada. E o que é a “Democracia Providencial”? É o estado de coisas em que “as relações entre o médico e o paciente, o advogado e o cliente, o padre e o crente, o professor e o aluno, o trabalhador e o assistido amoldam-se cada vez mais ao modelo das relações contratuais entre indivíduos iguais, ao modelo das relações fundamentalmente igualitárias que se estabelecem entre um prestador de serviços e seu cliente”. Aos poucos, tudo se banaliza, se trivializa e qualquer profissão perde sua transcendência. Que o digam os médicos, os sacerdotes e os juízes.
O pior espaço para essa patologia é o da escola. Ali, “não há mais lugar para nenhum tipo de transcendência, é o indivíduo que é erigido em valor absoluto e, se alguma coisa de sagrado persiste, é ainda a santificação do indivíduo, por meio dos direitos humanos e da democracia. Eis, portanto, por que a autoridade do professor está arruinada: por essa priorização da igualdade, ele não é mais do que um trabalhador comum, que se encontra diante de usuários e é levado a discutir de igual para igual com o aluno, que acaba por se instalar como juiz de seu mestre”. É a leitura de Jean-Louis Thiriet, no artigo “A escola doente de igualdade”, citada por Rancière.
Tais observações fazem pensar. Não é diferente a condição do médico em relação ao paciente, a do sacerdote – ou pastor – diante do fiel, a do juiz perante quem procura resolver todos os seus problemas junto ao equipamento estatal sobrecarregado, burocratizado e à beira de um colapso, chamado Judiciário.
Aqueles que têm responsabilidade, não perderam a lucidez e a capacidade de indignação têm de se articular. Ou as eleições são suficientes para resolver, milagrosamente, tudo isso?
José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo
16 de junho de 2022
3 de junho de 2022
25 de junho de 2022
10 de junho de 2022
17 de junho de 2022
24 de junho de 2022
28 de maio de 2022
24 de junho de 2022
10 de junho de 2022
10 de junho de 2022
Flagrou algo inusitado e quer ver a sua notícia publicada? Nos envie seus textos, fotos e vídeos.
Os textos e comentários aqui expressos são de total responsabilidade de seus autores.